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Análise: Gemini Rue

As aventuras gráficas tradicionais estão numa situação interessante. Depois de lhe terem declarado óbito há uma década atrás, o género conseguiu dar a volta por cima, transformado-se num nicho com orçamentos reduzidos, centrado num publico mais especializado e não tanto no mercado mainstream onde nos bons velhos tempos a Sierra e a Lucas Arts se degladiavam. Durante a ultima década o género acabou por crescer e surgiram algumas tentativas interessantes de modernizar e retira-lo da sombra do seu passado.

No entanto, no ultimo par de anos as coisas abrandaram, não sei se é algo temporário ou um sinal do que aí vem, mas à excepção de algumas obras de qualidade dúbia provenientes da Alemanha e as aventuras repetitivas da Telltale não há muita coisa que se consiga evidenciar.

É claro que há algumas excepções como Machinarium, The Dream Machine e, é claro, o tema desta análise, Gemini Rue.

Gemini Rue é um projecto pessoal de Joshua Nuernberger, publicado pela Wadjeteye (responsável pela simpática série Blackwell). O jogo ganhou alguma notoriedade depois de ter vencido o prémio IGF Student em 2010. Mas na realidade, para o publico em geral, o que mais chamou a atenção em Gemini Rue foi a sua direcção artística carregada de influencias cyberpunk, especialmente reminiscentes de Blade Runner.


É precisamente aí que reside o ponto mais forte, mas ironicamente também o seu calcanhar de Aquiles. A colagem à obra de Ridley Scott é tão marcada que por vezes Gemini Rue não tem espaço para criar uma identidade própria. Aliás, ficou sempre a sensação de que Gemini Rue nunca consegue realmente levantar voo rumo às elevadas potencialidades que desde cedo promete. Visualmente o jogo é lindíssimo mas nunca parece vivo, a atmosfera é irrepreensível mas demasiado artificial, o mundo de jogo é interessante mas a sua escala é minúscula.

É injusto criticar Gemini Rue pela sua reduzida escala visto ser um projecto independente duma só pessoa, mas é uma pena que todo o jogo se passe em meia dúzia de locais e tudo esteja convenientemente localizado no mesmo bairro, nas mesmas ruas e nos mesmos apartamentos.

Mesmo sendo outro dos pontos mais fortes, também a narrativa reflecte o seu espírito independente e o baixo orçamento. Ela aborda temas interessantíssimos e aborda-os de forma competente, mas também fica aquela ideia de que poderia ter ido mais longe. São temas que não são habituais ver nesta forma de entretenimento e que me deixaram a salivar por mais complexidade. O papel que as memórias têm no ser humano e na forma como nos definem como pessoa é refrescante. Somos a mesma pessoa sem as nossas memórias e vivências passadas? Passamos a ser uma nova? Que poder têm as pessoas que as controlam e definem quais são as nossas memórias? Gemini Rue por vezes quase que entra em interessantes caminhos filosóficos, mas raramente tem coragem de seguir em frente.

A história em si está bem estruturada entre dois planos narrativos paralelos onde controlamos duas personagens distintas aparentemente sem ligações. O desfecho contém um par de inteligentes twists que alteram de forma radical a percepção que vínhamos tendo dos acontecimentos. Também aí o jogo sofre um pouco devido à sua reduzida escala, já que as personagens são tão poucas que eventualmente é fácil juntar 1+1 e decifrar os segredos da narrativa.


A interface e controlos são o que se espera duma aventura gráfica tradicional, felizmente (para mim) os puzzles aqui passam para 2º plano, são poucos, lógicos e fáceis o que num jogo tão focado na narrativa é a melhor opção. O sistema de investigação é interessante, mas tudo o resto é bastante básico, com um sistema de quatro verbos e um inventário tradicional. Tem um sistema de combate que não é tão intrusivo como inicialmente pode parecer e acaba por passar despercebido.

Os visuais como disse são muito bons tendo em conta o estilo retro que tenta emular, imaginem uma mistura entre a direcção do jogo do Blade Runner com o estilo dum Gabriel Knight. mas fica sempre aquela ideia de que seria ainda melhor se corresse em maiores resoluções. O som é um dos pontos fortes do jogo em especial a música (como podem imaginar muito à lá Vangelis, claro), infelizmente o voice acting não consegue acompanhar o mesmo brilhantismo, bem pelo contrário.

Resumindo e concluindo, Gemini Rue é uma boa aventura cheia de potencial, mas limitada pelo facto de ser desenvolvido por uma só pessoa. A narrativa e os visuais retro acabam por ser os seus grandes motores, sendo que tudo o resto raramente sai da mediania, no entanto como projecto independente que é, merece ser jogado.

Classificação Final: 7/10

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